Dança dos Figurinos: resultados dos processos de criação

No nosso Projeto Dança dos Figurinos (LAB/MG) obtivemos como resultado dos processos de criação e ensaios do Grupo, performances feitas pelos bailarinos, com auxílio da Marcela Rosa e Alex Dias, e a direção de Suely Machado.

Algumas das primeiras escolhas feitas por eles foram alteradas ao longo dos processo, e outras permaneceram; assim como em outros processos criativos do grupo. Por vezes, uma escolha serve de ponte ou amadurecimento para novas escolhas ou para novas possibilidade de arranjos cênicos.

A seguir, compartilhamos com vocês como ficou este “resultado final”, com o documento guia para a Exposição Dançada, a partir das performances criadas como fruto deste projeto:

ROTEIRO DAS PERFORMANCES DOS FIGURINOS CONCEBIDO E DIRIGIDO POR SUELY MACHADO

  • – UM PASSEIO POR VÁRIOS ESPETÁCULOS DA HISTÓRIA DO 1º ATO CRIADO PELO BAILARINO DALTON CORREIA, COM TRILHA DO ESPETÁCULO ‘DESIDERIUM’ (1997) E FIGURINO DO ESPETÁCULO ‘TRÊS LUAS’ (2015), DO FIGURINISTA PABLO RAMON;

Fotografias do Filipe Bretas e André Viana

  • – RELEITURA DE CENAS DO ESPETÁCULO ‘SEM LUGAR’ (2002) CRIADA PELO BAILARINO ROBERT HENRIQUE, COM TRILHA DO ESPETÁCULO E FIGURINO ORIGINAL CRIADO PELO FIGURINISTA MARCO PAULO ROLLA;

– RELEITURA DA CENA ‘BUCHINHAS’ DO ESPETÁCULO ‘BEIJO NOS OLHOS…NA ALMA…NA CARNE’ (1999) CRIADA PELA BAILARINA CAMILA FELIX, COM TRILHA DO ESPETÁCULO E  FIGURINO ORIGINAL DA CENA, CRIADO PELA FIGURINISTA SILMA DORNAS;

Fotografias do André Viana

– RELEITURA DA CENA ‘MARY’ DO ESPETÁCULO ‘CARNE VIVA’(1990)  MESCLADA COM ELEMENTOS DE OUTROS ESPETÁCULOS DA HISTÓRIA DO  1º ATO, CRIADA PELA BAILARINA MARCELLA GOZZI, COM TRILHA  ORIGINAL DA CENA E FIGURINO CRIADO POR MARCO PAULO ROLLA;

  • – CENA ORIGINAL DO ESPETÁCULO ‘GERALDAS E AVENCAS’(2007), CRIADA E INTERPRETADA PELO BAILARINO ALEX DIAS, COM TRILHA DO ESPETÁCULO E FIGURINO ORIGINAL, CRIADO PELO FIGURINISTA MARCO PAULO ROLLA;
  • – RELEITURA DE CENA DO ESPETÁCULO ‘ADORNO’ (2010) CRIADA PELA BAILARINA MARCELA ROSA, COM TRILHA ORIGINAL DA CENA E FIGURINO ORIGINAL CRIADO PELO FIGURINISTA RONALDO FRAGA;

  • Fotografia da Renata Mares e Monica Isler
  • – CENA DA ‘CIRANDA FINAL’ DO ESPETÁCULO ‘GERALDAS E AVENCAS’ (2007) REINTERPRETADA PELOS BAILARINOS DO ELENCO ATUAL, COM TRILHA ORIGINAL DA CENA E FIGURINOS DAS PERFORMANCES APRESENTADAS.

Dança dos Figurinos: entrevista com os bailarinos Alex Dias e Marcela Rosa

Que tarde cheia de emoções! Os bailarinos Alex Dias e Marcela Rosa, passaram por muitos primeiros atos, por muitas fases do grupo.

Para Suely Machado o que os distingue no Primeiro Ato é essa trajetória de tantas possibilidades diferentes, de vestir tantos figurinos e momentos, a permanência. Alex só não vestiu os figurinos dos trabalhos Tigarigari e Cavalheiros de copas. Ele participou de todas as outras montagens e já foi coreógrafo de importantes e premiados trabalhos. A Marcela está presente desde os trabalhos da primeira década do Grupo, só não participou de 3 Ave Marias e Um Pai Nosso e Bons Motivos. Brilhante bailarina, ela também é professora da escola e assistente de direção.

– ” ..cada espetáculo é um corpo diferente, já trabalhamos com vários coreógrafos e propostas diferentes, e a direção da Suely não é a mesma, e faz a gente buscar outros corpos, outros gestos e sujeitos dançantes. Mesmo quando não há um personagem para ser caracterizado temos a nossa pele e nosso corpo que está a serviço de um processo, então temos que nos encontrar a nossa atitude e qualidade de movimento. Um caminho… Esse movimento tem gente dentro dele. Construir ele é construir essa pessoa. Com os anos foram entrando camadas de intenções, sentimentos e experiências em mim. Nos colocamos a prova o tempo inteiro com o nosso trabalho! “Alex Dias.

A dança do Primeiro Ato permite a maturidade, os diferentes corpos em cena, as diferentes maneiras de se estruturar.

“As histórias ficam gravadas no corpo, nas células, nas sensações, um cheiro, coisas sutis, os palcos, coxias… os corpos e as pessoas se transformam nesses processos e por isso que é vida pra mim permanecer, aprendi e continuo aprendendo, não para nunca.” Marcela Rosa. Ela entrou com 18 anos na escola, e lembra que passou pelo prazer a escolha de estar e de continuar no 1 ato, escolhendo a dança como profissão. “(…) É aqui que eu me sinto bem fazendo. Com esse jeito, com esse trabalho de grupo, criando, me espelhando no outro, etc (…) Isso me fez sentir que tenho um espaço, que eu poderia construir, e isso é bom demais e tão raro!” Marcela Rosa.

Vejam abaixo um pouco dessa conversa em grupo, junto a Suely Machado e aos bailarinos mais jovens que integram o grupo atualmente:

Marcela também contou aos meninos de seus desafios e conquistas nessa trajetória, da sua entrega e da participação marcante do coreógrafo Arrieta em um momento de sua carreira e da Mestra Betina Belomo. Enquanto Alex expos a sua dificuldade de se abrir em um primeiro momento, até a coisa pegar ele… E de como foi impactante a primeira vez que viu uma apresentação do Primeiro Ato, no “Terça da Dança”, quando ele estava voltando de Nova York, e como os corpos felizes daquela apresentação e a conexão com a vida, despertaram o seu desejo.

Sobre os figurinos, Macela destacou o processo aos poucos do surgimento das peças finais. Para ela, não teve nenhum que marcou mais,  para ela, todos a marcaram. “Eles trazem a energia da história e complementam a cena e a nossa construção. No Beijo, que os bailarinos tinham vários figurinos, ela destacou o maio e sapato da miss, o vestidinho da solteirona e os biquinis da buchinha. Mas para ela todos são muito intrínsecos aos artistas e as cenas. Ela gosta de colocar os figurinos quase na última hora, se não cansa ela, porque eles já a transformam e preparam para a cena. E Alex lembrou do espetáculo Isso Aqui Não é Gottam City, o figurino e personagem do chinês, e o do Sem Lugar. Para ele o figurino também o faz entrar no espetáculo e na cena.

Eles destacaram como a Suely Machado como diretora cênica, muda tudo em suas histórias. E sssa longa história de cumplicidade é um pilar do Primeiro Ato!

Dança dos Figurinos: depoimento do Lula Ribeiro

O artista Lula Ribeiro também nos deixou um lindo depoimento nesse processo do Projeto Dança dos Figurinos (LAB/MG). O primeiro contato dele com o Grupo 1 Ato foi no Festival de Artes de São Cristóvão (SE), com o `Quebra Cabeças`, um espetáculo de rua que ele assistiu no palco e achou incrível: “o maior impacto que tive até hoje assistindo uma apresentação de dança.”
Desde esse tempo ele nos acompanha em tudo. Para ele, a arte do Grupo reverbera nas memórias, onde cada espetáculo leva para um lugar diferente: pra infância, o contato com um grande autor etc. Ele se identifica, enquanto artista, com o desejo de sempre querer fazer o melhor: “eu vejo isso no palco com o 1 Ato, na dedicação e empenho em tudo o que fazem. Me lembro de cenas e músicas, muita coisa fica na cabeça. A dança do 1 Ato é única na forma que se apresenta e conceitua; no conjunto das obras, com as trilhas, cenários, luzes, a direção primorosa da Suely Machado, os bailarinos exímios, é um grupo muito especial! É tudo muito bem encaminhado para ser apresentado pro público, não consigo ver nada igual.”
Lula desde muito cedo aprendeu a ser público, sua família de artistas o levava pra ver espetáculos. Sergipano, vindo de um celeiro artístico e cultural como Aracajú, ele se tornou um grande músico da MPB e já fez trilhas de trabalhos do grupo como no espetáculo Adorno (2010), e cedeu os direitos de usarmos suas lindas músicas no vídeo-dança Passo Poema, e na releitura que fizemos do “Insthabilidade” para o Itaú Cultural, nos espaços restritos das residências de cada um, durante o início do período de confinamento por causa da Covid-19.

 

Ele deixou os seguintes recados para os integrantes do grupo:

“O Grupo 1 ato mudou meu olhar para a dança. Vocês são merecedores de todas as nossas reverencias e aplausos, por tanto tempo dedicados à cultura e a nos emocionar. São muitas lágrimas derramadas, e ainda serão muitas. Obrigada por tudo o que representam para cultura brasileira, e toda emoção que transmitem pra gente! Estaremos sempre na plateia assistindo e nos emocionando. Comemorar quatro décadas de atuação artística não é para qualquer um. Desejo vida longa e que continuem nos emocionando como fazem, e que venham muitos espetáculos maravilhosos. Certeza que essa energia pulsante que existe em todos que fazem parte do Grupo se renova a cada momento.”

Obrigada Lula!

Dança dos Figurinos: depoimento de Lizete Araújo

A Lizete Araújo foi uma das nossas convidadas do projeto de pesquisa Dança dos Figurinos (LAB/MG), para nos deixar um depoimento sobre a sua experiência de público com o Grupo Primeiro Ato. Ela nos conheceu através do Primeiro Ato Centro de Dança, por volta de 1999, quando sua filha, Alice Botelho, na época com 5/6 anos, começou a frequentar a escola. Hoje, Alice nos enche de orgulho, é uma mulher linda, profissional da dança, que voa longe.

Abaixo destacamos algumas de suas frases do depoimento que recebemos por escrito:

“A cada produção que tive o privilégio de assistir, eu senti que fui amadurecendo minhas sensações e minha entrega como espectadora.”

“A forma como os espetáculos são construídos e apresentados transporta quem está na plateia para estar ali junto do grupo, no palco.”

“As peças produzidas são um convite a reflexão. Muitas vezes confusas, desconcertantes, irônicas, reais, poéticas, sutis, enlouquecedoras como a própria vida.”

“Pude me sentir como uma protagonista do que apresentavam no palco.”

Na sua opinião, o fato de que os bailarinos são completamente diferentes uns dos outros, no jeito, no corpo, na idade, nos movimentos e na expressão dos sentimentos, possibilita essa sensação de sentir que você pode ser um deles.

Os espetáculos que mais a marcaram foram “Sem lugar”, “InstHabilidade” e “Três Luas.”

Nesse início da comemoração dos 40 anos do Primeiro Ato, ela deseja vida longa, visibilidade e reconhecimento, e que os anjos, santos e orixás protejam e abençoem com patrocínios e um país que valorize a arte.

Seu pedido é que a gente não desista de contar histórias através dos gestos, movimentos e poesias. Para ela, os temas que o Grupo apresenta e coreografa fazem parte do seu cotidiano: “A arte tem esse propósito. (…) desperta o olhar para o outro e alivia as dores do cotidiano.”

Dança dos Figurinos: entrevista com Silma Dornas

A Silma Dornas, desde menina, desenha roupas para a sua família, e gosta de escolher e pensar nas suas roupas. Ela é uma talentosa artista que já trabalhou com moda e com diferentes grupos artísticos da cena mineira e nacional, fazendo e elaborando figurinos.

arquivo pessoal – cedida pela artista

Ela trabalhou conosco no espetáculo “Beijo” (1999), onde fez figurinos da época de Nelson Rodrigues.

Em nossa entrevista com ela, para o Projeto Dança dos Figurinos pela #leialdirblancmg (https://www.secult.mg.gov.br/leialdirblanc), ela nos contou diversas curiosidades sobre sua trajetória e os bastidores.

Aqui, vamos dividir algumas com vocês:

  • A Silma gostava de desenhar as roupas para as saídas nos blocos de rua e escolas de samba de Paracatu, cidade da sua família, onde passou bons carnavais.
  • Ela é uma grande pesquisadora, e sempre se interessou por roupas de época, tecidos e modelagens. Durante o processo do “Beijo” ela achou um acervo grande de tecidos da época, muita sorte! Isso a ajudou muito a dar vida aos personagens. Ela foi capaz de trabalhar várias coisas diferentes com os mesmos tecidos, como no caso dos biquinis da cena das Buchinhas. Cada um é de um jeito, não tem nenhum repetido.
  • Trabalha com cartela de cor intuitiva: “construo num caos”.
  • Para ela, Nelson Rodrigues está no nosso inconsciente emocional e afetivo, perpassando a nossa história na TV, cinema, etc.
  • Para criar ela se guia muito pelo conteúdo das obras, pelo movimento, tema, ela deixa fluir e ama os detalhes. Ela aprecia que os bailarinos sintam que o figurino é a cara deles quando fica pronto.
  • Um grande desafio é o tempo. Geralmente é tudo acelerado para sua mente que sonha a cada encontro e trabalho coletivo.
  • A diferença do 1 ato, na sua opinião, é você conseguir ver cada bailarino em cena, na sua individualidade, sem perder o coletivo, com muita criatividade.
  • Geralmente nos primeiros ensaios gerais ela só vê os defeitos, depois acha tudo lindo e depois pensa que faria tudo diferente ao ver os figurinos prontos.
  • Palavras que ela destacou a partir da experiência conosco e do resultado dos figurinos: fluidez, visceral, amoroso, odioso, sensual, latente.
  • Ela dividiu conosco um pouco sobre suas pesquisas, como: a mulher no começo do pós guerra vestia terninho, andava fardada, com roupas mais secas, pois tinha pouco pano pra produzir as coisas, os panos tinham ido para guerra. Depois, veio a onda Dior, new look, com golas enormes, e a mulher pode sonhar de novo. As roupas eram pomposas, com muita coisa, bem femininas. Era comum usar luvas, chapéu, tudo muito harmônico, leve. Os homens eram mais formais e bem elegantes nessa época.

 

“um sonho é tão bonito para se tornar realidade”…

E alguns deles foram possíveis. A costureira Alcione, que trabalhou com ela no processo do “Beijo”, costurava até então, artesanalmente, e depois desse trabalho conseguiu comprar uma máquina industrial. Nós adoramos saber disso e de várias outras histórias que a Silma nos contou. Vamos nos despedir aqui com um brinde às conquistas e alegrias!

Até o próximo capítulo…

Grupo Primeiro Ato na abertura do Flitabira

Simbora pra Itabira?

Quarta-feira que vem, no dia 27 de outubro, o Grupo vai se apresentar as 21 horas na praça do sentenário, em frente a casa de Carlos Drummond de Andrade, em um palco ao ar livre, como parte da programação de abertura do primeiro Flitabira.

O espetáculo será o “Sem Lugar”, que foi criado para uma dupla comemoração: os 20 anos do Grupo e o centenário de nascimento do poeta Carlos Drummond de Andrade, ambos celebrados em 2002.

Ano que vem, em 2022, serão 120 anos de seu nascimento e 40 anos do Grupo. O tempo voa, e nós seguimos nos inspirando na ampla poética desse mineiro que nos é fonte de admiração e inspiração.

Confira mais em: https://bit.ly/3GbOIHB

Para ter acesso a programação completa do Festival Literário, acesse o site: http://www.flitabira.com.br

Esperamos vocês!!!

Dança dos Figurinos: entrevista com a Suely Machado

A nossa diretora Suely Machado nos presenteou com uma tarde maravilhosa, cheia de emoções e profundidade, nas lembranças da trajetória do Grupo. Além das cenas icônicas (que podem ser conferidas a partir de fotografias no nosso vídeo (IGTV) no Instagram), ela também revelou vários momentos especiais dos bastidores, com os integrantes antigos, e parceiros nas produções.

Para ela o “Isso aqui não é Gotham City” (1992) é uma obra diferenciada, assim como o “Quebra Cabeça” (1989). Eles são fruto da parceria com o Paulinho Polika, onde a linguagem do teatro e da história em quadrinhos se misturou com a dança, em um verdadeiro absurdo na movimentação: “são lúdicos, poéticos, com humor..  olhava e pensava: meu deus o que que é isso?!”. Todo mundo acreditou no trabalho e ele rodou o mundo, com muito sucesso por onde passou, com temporadas de meses em teatros brasileiros.

Com o Quebra Cabeça, eles foram para a Expo 92, na Espanha, e dançaram em um dos pavilhões. Ela conta que na época o Grupo era quase todo adolescente, muito jovens, e que as pessoas nem entendiam ainda o significado das responsabilidades. Os técnicos espanhóis estavam em greve, e eles passaram por verdadeiras aventuras nessa experiência. Abaixo, uma foto da Marcela e do Alex em uma remontagem 15 anos depois da Expo 92.

Belo Horizonte, 08 de Novembro de 2007.
Apresentação do Espetáculo Quebra-Cabeça do Grupo 1 Ato para crianças em praça pública.
Foto: Leo Drumond / Agencia Nitro

O espetáculo “Cavaleiro de Copas” (1994), feito em parceria com Rodrigo Campos, também rodou muitos locais diferentes do interior do Brasil e de Minas, levando mágica as ruas. Ele celebra o “mistério do Graal”, inspirado na lenda de Parsifal, ligada à mitologia arturiniana, e remete a universalidade e potencial simbólico da herança cultural brasileira. Ela comentou das cenas malucas durante a circulação desse trabalho, como os bailarinos de perna de pau na areia de Santos (SP), o uso inusitado da máscara pelos bailarinos, uma linguagem que ninguém dominava, e favoreceu a movimentação dos membros inferiores e superiores, potencializando a expressão do corpo.

Anos depois, eles realizaram o “Desiderium” (1996) na cidade do Rio de Janeiro. E ela relembrou e se emocionou muito com o momento em que Antonio Abujamra deixou um bilhete no café da manhã do Hotel em que eles estavam hospedados, depois de ter assistido ao espetáculo na noite anterior. No guardanapo estava escrito: “Baush invejaria suas cadeiras”. Além da admiração profunda da Suely por ele, aquela mensagem foi muito motivadora, para ela e para o Grupo, pois na época as pessoas achavam que o que eles faziam não era dança, porque não tinha só piruetas e pernão.

Com o “Beijo” (1999), os temas da diversidade e a incompreensão do Brasil pelo próprio brasileiro e por estrangeiros, veio a tona. Ela discorreu a respeito do paradoxo da nossa identidade, multifacetada, misturada, associando o espetáculo ao livro que leu recentemente da Rosisca Darci de Oliveira. Para Suely “o que a gente nega muitas vezes é a nossa maior riqueza”.

O “Sem Lugar” (2002) fez eco a obra de uma das maiores riquezas da nossa terra: o Calor Drummond de Andrade. Suely sente profunda identificação com a força desse trabalho como um todo, e com a poesia do Drummond. Ela nos relembra: “em Minas os loucos são muito bem tratados porque são a maioria”; “..quando estou na roça eu lembro do elevador, quando estou no elevador lembro da roça” – CD. Segundo Suely, essa divisão está dentro de todos nós.

Ela é grata ao seu olhar, a capacidade de reconhecer a potência dos artistas e auxiliar a transformar os corpos em arte. Para ela esse é o cerne da sua oficina, descobrir a arte com o outro, no corpo. Seja de um bailarino, ou de qualquer outra pessoa não necessariamente ligada ao estudo dança, ou das artes. Nos corpos cotidianos, humanos.

Sempre nas audições do Grupo a Suely escolheu pessoas com brilho no olho, vontade de fazer, ou com alguma peculiaridade, não necessariamente os que dançavam melhor ou apresentavam maior capacidade técnica. Essa é uma marca do Primeiro Ato, a diversidade de corpos, idades, origens, características.

Três bailarinos que já fizeram parte do grupo e que ela acha que tem algo em comum são: o Marcos Tó, o Fábio Dornas e o Lucas Resende. Pessoas amorosas, absurdamente interessantes, originais. Suely comenta da espontaneidade dos três, da coragem, afetividade.. “minhas crianças prediletas”. Ela relembrou os três com muito carinho. Da mesma maneira, a Danny Maia, Marise Diniz, Paula Davis, entre outras mulheres fortes que marcaram uma presença na nossa trajetória.

Com relação as trilhas sonoras, ela citou parceiros importantes como: Ivan Vilela, Marco Lobo, Pereira da Viola, Zeca Baleiro, Kiko Klaus, André Abujamra, entre outros.

Sobre os espetáculos de rua, Suely também comentou da importância do “Pequenos Atos de Rua” (2011). Uma obra delicada, minimal, cricolada, intensa, emocionante, que levou uma sutileza em meio ao caos. Ela destaca a importante colaboração e criação do Alex Dias e da Vivi (Ana Virgínia Guimarães). Feito em muitos centros urbanos e periferias, o trabalho trouxe uma conexão única com as pessoas nas cidades.

“Para, olha, respira.. a gente precisa disso. Esse e os nossos outros espetáculos de rua trouxeram isso”.

Depois, o “Pó de Nuvens” (2012) feito com a Denise Namura e Michael Bugdahn, foi um deleite e imenso desafio, pelo curto espaço de tempo. O trabalho é consistente e muito plástico, bonito, ficou pronto em pouco tempo mas tem profundidade e inspiração na obra de Guimarães Rosa.

A parceria com o Wagner Moreira, também gerou um canal diferente. Suely o ama e admira, e eles se aproximaram mais na obra “Só um pouco Anormal” (2013). Um trabalho difícil e intenso, muito físico, falando sobre a loucura e o Hospital Psiquiátrico de Barbacena, com suas histórias. Essa obra trás o risco em cena, visceral, com músicas clássicas, muito surpreendente e modificadora na trajetória do Grupo.

A conversa foi longa e ela deixou um apelo aos bailarinos que cabe a todos os artistas (profissionais ou não):

“vocês não são menos, nem mais do que quem fez história… cada um deu o que deu, no tempo que pode, na sua época, e agora estamos aqui.. a identidade e a autonomia no fazer não podem faltar.. façam diferença, surpreendam, arrisquem, tragam o que não se espera, saiam do lugar óbvio, e façam o outro pensar”.

Essa entrevista foi feita no contexto do nosso Projeto apoiado pela #leialdirblancmg (https://www.secult.mg.gov.br/leialdirblanc).

 

 

Dança dos Figurinos: entrevista com Tuca Pinheiro

“Fazer dança também é criar espaços para o diálogo”. Essa foi uma das frases que inaugurou a nossa entrevista com o Tuca Pinheiro, no contexto do Projeto Dança dos Figurinos #leialdirblancmg (https://www.secult.mg.gov.br/leialdirblanc).

Ele já foi bailarino do Grupo e realizou a concepção coreográfica de três dos mais importantes projetos do nosso repertório: “Sem Lugar” – inspirado na obra e pessoa de Carlos Drummond de Andrade; “Beijo… nos olhos, na alma, na carne” – a partir da obra de Nelson Rodrigues; e “Desiderium”.

Ao longo da nossa conversa um dos pontos recorrentes foi a importância da escuta: de si mesmo, do outro, do mundo, das obras artísticas e do que elas carregam enquanto potência. Tuca nos lembrou de prestar atenção aos detalhes da vida, que nos convidam a mergulhar em diferentes aspectos da existência.

Ele conheceu o Primeiro Ato assistindo ao espetáculo “Carne viva” (1990). Pouco depois, quando a Suely Machado assistiu uma performance dele e do Alex, ela sentiu afinidade e sintonia na maneira de fazer e sentir a dança, com apoio no lúdico e uma sensação de transformação de dentro pra fora. Na época, ele já estava se aproximando do grupo e esse momento foi decisivo, pois o convite se tornou oficial e ele entrou participando do processo do trabalho “Isso aqui não é Gotham City” (1992). Abaixo, temos a sua imagem em um dos personagens da obra:

Em 1996 foi o início das aventuras na concepção e direção coreográfica, com o trabalho “Desiderium”. Tudo começou com brincadeiras de partituras coreográficas e uma profunda pesquisa sobre o desejo. Ele se viu atendendo a um chamado, que segundo ele, o levou pra outros caminhos depois. Os aspectos visceral e orgânico marcaram o trabalho, com estéticas da circularidade, as simbologias da maçã e dimensões do desejo.

Lodo depois, ele passou uma temporada na França e levou a biografia do Nelson Rodrigues: “O Anjo Pornográfico”, escrita pelo Ruy Castro. Esse foi o início do profundo processo da obra “Beijo”.

“Não queríamos retratar os personagens, mas eles vinham. Todos sabiam que iam cair no abismo, mas iam dignos, atendendo ao chamado. Eles caiam nas suas próprias armadilhas”. Com apuro cênico, uma bela trilha sonora e cenário, com muito cuidado e lapidação em todos os detalhes, essa, sem dúvidas, foi uma das obras mais importantes do grupo.

A cena que mais o marcou foi a do chá, onde as pessoas iam se deteriorando e tudo virava uma festa.

BEIJO… NOS OLHOS… NA ALMA… NA CARNE…

E o solo da Marcela Rosa, depois da cena das bodas de prata, com um vestido histórico que foi usado na inauguração da Casa do Baile em BH.

“Eu vi o vestido dançar, ondulando, caindo, levantando, uma generosidade imensa da artista”.

BEIJO… NOS OLHOS… NA ALMA… NA CARNE…

“O importante é estar feliz no processo, ainda que haja angústia criativa no corpo (…) a arte não pertence ao campo da exatidão, cada um constrói a sua lógica, ela habita a ordem do impensável (…) e nós precisamos entender a coreografia da escrita, da literatura.” – Tuca.

Ele nos contou como o figurino do “Beijo” estava associado as questões da época de Nelson, a glamurização dos anos 50, enquanto o do “Sem Lugar” tinha o tom mais modernista, seco, com cortes mais retos. A roupa de fru-fru e a de plástico foram os pontos fora dentro do contexto dessa obra.

Para Tuca, o melhor figurino é o que desnuda a intimidade do bailarino.

Com relação aos objetos cênicos, forte em todos esses trabalhos, ele destacou a importância da multiplicidade de sentidos: “não são as coisas em si, mas as possibilidades”. No Desiderium, por exemplo, as cadeiras foram passarela, cadeiras mesmo, representaram também a chegada do homem a lua, entre outros. As maçãs eram compradas em vários tipos (mais fofas, outras firmes e pequenas, outras grandes), cada uma com uma função em cada cena.

O cenário marcante dessa obra, que modificava muito com a iluminação, foi construído coletivamente e manualmente na nossa casa em BH.

Por hoje, vamos ficar por aqui. E em breve, traremos mais novidades!

Abraços da equipe 1 ATO.

 

 

Dança dos Figurinos: entrevista com Marco Paulo Rolla

“A roupa é muito mais do que a roupa…”

O Marco Paulo Rolla é um grande artista mineiro que temos a alegria de compartilhar muitos trabalhos e momentos artísticos ao longo da nossa trajetória.

Ele iniciou conosco muito jovem, fazendo o figurino do espetáculo “Carne viva” (1990) e foi o figurinista que acompanhou o Grupo por todas as décadas de trabalho, com experiências por diversos elencos, propostas e condições de produção.

Músico, cenógrafo, figurinista, performer, artista plástico, ele é um artista amplo e, da mesma maneira, uma pessoa com uma capacidade incrível de criar, sentir, doar e trocar. Essa polivalência colabora muito na construção da dramaturgia de uma obra, onde sua visão e trabalho nos auxiliaram na construção e potencialização de personagens.

Ele nos contou dos preconceitos que enfrentou no início da sua carreira, quando optou pelas interações entre artes, e nem sempre foi acolhido com isso. Se sentia dissonante no mercado mineiro, ainda que tenha encontrado importantes mestres e parceiros que o valorizaram e fortaleceram nessa caminhada e escolha. Nesse aspecto, nos sentimos com imensa afinidade com ele.

Alguns dos espetáculos do Primeiro Ato que ele fez a concepção de figurino, são: “Isso aqui não é Ghottam City”, “Tigarigari”, “Desiderium”, “Sem Lugar” e “Mundo Perfumado”.

A nossa conversa foi longa e um importante recado que ele deixou para os artistas mais jovens sobre o processo de criação é: você pode! Encare, viva os buracos, e acredite. Ele discorreu sobre aspectos que envolvem a arte e a ciência, ressaltando a importância do erro na criação, do vazio, do que está para ser descoberto, pois, sem isso, não tem como avançar.

Outro ponto importante foi sobre as questões sociais que envolvem o nosso país, o mercado da moda mundialmente e da produção de tecidos. Para ele, temos que encarar a realidade da importância de reciclar materiais, re-significar e valorizar o que já está no mundo.

Marco Paulo também destacou a importância do prazer, de se ter um sentimento bom sobre o que está fazendo, enquanto está fazendo. Mesmo que haja um trabalho árduo e alguns tipos de pressão, o objetivo não pode ser o sofrimento. As artes permitem a transformação de linguagens, matérias e sentidos, e assim, podemos aproveitar os processos para nos transformar também.

Uma dica para as editoras nacionais: tá faltando livro sobre criação de figurinos no mercado!!! E também, materiais de pesquisa com interseção entre as artes. Para ele, é necessário um maior aprofundamento nesse tema em cursos nas diferentes regiões do Brasil. Da mesma maneira, que a indústria têxtil fica meio polarizada e em alguns locais do nosso território, os saberes e acessos sobre o mundo dos figurinos também.

Ao final, houve um lindo agradecimento e revelação da importância da mãe no reconhecimento do artista. Assim como na história do Pablo Ramon, a mãe do Marco Paulo foi uma importante incentivadora do seu percurso artístico e pessoal. Em comum com o Ronaldo Fraga, os desenhos e o fato de colorir os tapetes nas festas festivas mineiras, influenciaram a vida do artista.

De modo geral, a arte na infância de todos os figurinistas entrevistados até o momento, principalmente o desenho, foi marcante e influenciadora no futuro. No caso do Marco Paulo, sua infância no interior de Minas Gerais o proporcionou experiências fortes também com a música e com o teatro, o que leva em sua trajetória e interseções artísticas.

Essa entrevista foi feita no contexto do nosso Projeto de Pesquisa apoiado pela #leialdirblancmg (https://www.secult.mg.gov.br/leialdirblanc).

Dança dos Figurinos: o olhar do Guto Muniz

O Guto Muniz é um dos maiores parceiros do Grupo Primeiro Ato, como público e fotógrafo. Ele já registrou mais de 10 ensaios e espetáculos do nosso repertório e nos acompanha desde a nossa primeira década de existência. Primeiro como espectador e depois nos registros profissionais de muitas das nossas cenas artísticas.

Realizamos uma entrevista com ele para sabermos um pouco mais da seu olhar para o acervo e história do Primeiro Ato. Ele nos contou um pouco da sua história pessoal e de como nossos caminhos se cruzaram, em uma conversa deliciosa.

Em 1986 ele entrou na faculdade de publicidade, quando ainda tinha pouco contato com o teatro e a dança. Logo depois, em 1987, ele começou a fotografar teatro. Em 1988, durante uma palestra de um fotógrafo profissional que trabalhava com dança, ele se deu conta de que não conseguiria fotografar em uma linha de precisão dos movimentos. Em 1990, foi o seu primeiro encontro conosco, quando assistiu o espetáculo “Carne viva”. Chamou a sua atenção a possibilidade de contar uma história em cena, e a aproximação com o teatro. Próximo de 1993 assistiu o “Isso aqui não é Gotham City” e se apaixonou! Ficou na sua cabeça a profusão de imagens, personagens e figurinos.

Só em 1997 ele fotografou pela primeira vez o Grupo, pelo FIT, no espetáculo “Desiderium”, e depois, em 2002, o “Sem lugar”. Nesse meio caminho, assistiu a outros espetáculos e alguns o marcaram muito, como em 1999 o “Beijo.. nos olhos.. na alma.. na carne”. Segundo ele, esse é o melhor trabalho baseado em Nelson Rodrigues que já viu na vida, incluindo todas as artes. Pois conseguiu tratar do Nelson e de sua obra sem usar palavras, e de forma marcante. A cena das buxinhas é a imagem mais marcante dos nossos trabalhos para ele, a que ficou na sua memória.

Sem Lugar, um espetáculo inspirado na obra e pessoa de Carlos Drummond de Andrade.

BEIJO… NOS OLHOS… NA ALMA… NA CARNE… – Grupo de Dança 1º Ato (Belo Horizonte/MG – Brasil)

BEIJO… NOS OLHOS… NA ALMA… NA CARNE… – Grupo de Dança 1º Ato (Belo Horizonte/MG – Brasil)

Em 2004 foi a primeira vez que ele fotografou o Grupo como fotógrafo convidado, no espetáculo “Mundo Perfumado”. Em seguida, foi a vez do “Geraldas e Avencas”. Para ele, a interferência dos balões como objeto cênico e figurino nessa obra é inacreditável, um achado, com os espelhos e tudo que envolveu a cena artística do trabalho.

GERALDAS E AVENCAS – Grupo de Dança Primeiro Ato / Direção: Suely Machado

GERALDAS E AVENCAS – Grupo de Dança Primeiro Ato / Direção: Suely Machado

Depois, o Guto teve a grata satisfação (e nós, uma felicidade imensa) de fotografar o Beijo e o Gotham nas remontagens. Ele também foi o fotógrafo dos espetáculos “Adorno” onde o figurino o marcou muito, “Pequenos Atos de Rua” onde a delicadeza na rua o encantou, “Pó de Nuvens” quando achou tudo mais leve, e o “Insthabilidade” e “Três luas”, mais recentemente.

ISSO AQUÍ NÃO É GOTHAM CITY – Grupo de Dança Primeiro Ato (Belo Horizonte/MG – Brasil)

ISSO AQUê NÌO ƒ GOTHAM CITY – Grupo de Dan a Primeiro Ato (Belo Horizonte/MG – Brasil)

Três Luas

Três Luas

O último trabalho do Primeiro Ato que ele fotografou foi esse ano, o vídeo-dança Câmera-Homem, pela oitava Mostra Horizontes Urbanos. Essa foi uma experiência diferente, fazer fotografia de vídeo, onde explorou a somatória de frames e as possíveis criações em cima das imagens, preservando as texturas e qualidades do vídeo original.

Entre as curiosidade da nossa conversa, destacamos o fato dele não gostar de ver imagens dos trabalhos que vai fazer para não ser conduzido, já que a imagem marca muito. Além disso, ele adora fotografar ensaios para sentir melhor como são as cenas e a proposta artística do espetáculos, é quando ele também pode explorar mais a linguagem da fotografia, chegando bem próximo dos artistas, usando diferentes lentes como uma grande angular, gerando distorção e outros efeitos mais difíceis de serem trabalhados na cena ao vivo. Para ele, o palco as vezes trava para fotografar a cena, e usar a linguagem fotográfica artisticamente. O seu ritual envolve chegar com meia a uma hora de antecedência, reconhecer os espaços, procurar saber um pouco do espetáculo, da proposta, e antes do público entrar já estar concentrado no local que escolheu para ficar, e ir baixando a adrenalina para conseguir se concentrar na cena.

Nos trabalhos do Primeiro Ato ele destaca o papel dos figurinos na construção dos personagens e dramaturgias e a individualidade de cada bailarino que é possível ser vista, ainda que em um coletivo forte e harmônico.

O olhar do Guto é diferenciado, ele sente pelas lentes, ligado no que está fotografando, procurando entender como enxerga e é tocado pelo que está tentando capturar. Já tem uma intenção fotográfica na escolha das câmeras e lentes e posições no palco, e o que importa mais é a energia da cena, além da estética. Para ele, a fotografia é um respiro, é tudo, e as vezes, quase nada. Daqui a pouco serão 35 anos de fotografia de cena. Sua vida é as artes cênicas, a fotografia e a memória de ambos. A dança é o que mais o ocupa na edição, na pós-produção, onde ele procura que as pessoas pensem além da imagem que estão vendo.

 Essa entrevista com o Guto Muniz fez parte do nosso projeto de pesquisa de acervo, apoiado pela #leialdirblancmg (https://www.secult.mg.gov.br/leialdirblanc).